setembro 09, 2014

O natural é especial

Quando uma criança se dirige a mim perguntando o que o Lucas tem, muitas vezes me atrapalho e não sei bem o que dizer. Aqueles olhinhos brilhando de curiosidade, parecem esperar ouvir algo tão fantástico quanto as histórias contadas pela professora ou qualquer outra maluquice que elas assistem nos desenhos e animações.  

Dizer que ele tem paralisia cerebral ou que é deficiente seria um balde d'água totalmente sem sentido. Na maioria das vezes digo que ele é especial.

"Especial por quê? O que é que ele faz para ser especial?".

Especial, para as crianças, é ter super poderes, salvar o mundo, voar, morar num reino encantado. Um menino, que não fala, quase não se move, sentado numa cadeira de rodas... O que há de especial nisso?

Outro dia, fomos a um churrasco de amigos. O Lucas estava deitado numa espreguiçadeira à beira da piscina onde outras crianças brincavam. Uma menininha se aproximou e perguntou: "Tia, o seu filho morreu?". A mãe da menina, que estava ao lado, ameaçou iniciar uma bronca na garotinha. Eu, rindo, interrompi. Pobre... A pequena só estava querendo matar sua curiosidade. Tudo bem, que para isso, ela tenha precisado matar meu filho em sua imaginação.

Eu me divirto com as questões das crianças. Tão genuínas, sem maldade. Há pessoas que agridem, mesmo sem pronunciar uma única palavra. O silêncio, o olhar (ou o não olhar) podem ser devastadores.

A Clara não contesta a condição do irmão, não pergunta nada sobre ele. Pra ela é natural: nasceu e o irmão já era assim. Conto isso pra outras pessoas e elas acham incrível que ela tenha essa naturalidade com o "diferente".

Eu me preocupo. Acho que o normal é a criança perguntar. Fico imaginando quando seus amigos começarem a fazer perguntas sobre seu irmão. Como é que ela vai saber o que responder?

Talvez eu deva dar respostas à ela.

Talvez, dentro dela, já existam respostas.

Talvez as respostas dela sejam bem melhores que as minhas.

Talvez eu deva perguntar à ela e, assim, aprender a responder com a mesma naturalidade com que ela estabelece sua relação de amor com o irmão.

 

Um comentário:

Cristiana Soares disse...

Uma vez, quando a Lorena, irmã da Luísa, minha filha com paralisia cerebral, tinha uns 5 ou 6 anos, eu iniciei uma conversa do tipo "Bem, porque vc sabe que sua irmã é diferente, né?" E ela me respondeu: "Não." E eu pensei: "Ah, então tá, né?" E terminei a conversa ali mesmo. Assim, eu concluí que para as crianças que convivem com outras "diferentes", desde bem pequenininhas, elas não tão nem aí. As crianças diferentes são assim e pronto. Por isso, eu acredito cada vez mais que só a inclusão salva. Hahahah. Depois que ela cresceu, hoje em dia, ela sabe que a irmã é diferente. Mas ao mesmo tempo não. Ela empurra a cadeira de rodas da irmã com a maior naturalidade do mundo. A propósito: morri de rir com o comentário da garotinha. Hahahah! Eu responderia: "Não. Ele tá vivão. Só que esse é o jeito dele de estar vivo. Cada um tem o seu jeito, certo?" Quando respondo assim, geralmente elas entendem na hora. E ainda se aproximam para interagir ;) Se vc disser que ele é especial, elas podem ficar "pisando em ovos" com ele. Criança saca tudo. :) Adorei seu post! :)