"Você é uma guerreira!". Essa é uma frase que escuto com frequência... Penso que deveria considerar um elogio, só que essas palavras me incomodam porque, muitas vezes, estão mascarando o sentimento de pena que as pessoas sentem pela minha condição.
Quanta vezes vi, durante uma conversa com alguém que acabei de conhecer, o indivíduo murchar na minha frente, os olhos se encherem de piedade e o sorriso caloroso se tingir de amarelo, diante de cada fato novo que eu ia contando sobre a minha vida. E o que dizer dos que já me conhecem e parecem me tratar como se eu vivesse num permanente piques (manja na brincadeira de pega-pega um lugar onde o participante está a salvo do pegador?).
Antes de qualquer outra coisa, sou um ser humano, que acerta mas que também erra, capaz de dar carinho mas também de ferir, de se fazer amar e também de provocar ira, que adora mas também pode odiar, sentir raiva. Quem nunca? Tá certo que aprendo muito com o Lucas e melhorei como pessoa depois de seu nascimento e ao longo desses anos, mas daí a não ter umas verdades pra ouvir, uns dedos na cara pra tomar, um desabafo quente na fuça por causa de uma pisada de bola? Pera aí né!!
Nunca tive a pretensão de ser heroína. Sou mãe de um filho com necessidades especiais e cuido dele da maneira como eu aprendi vendo as outras mães da minha família fazendo com seus filhos. A diferença entre os filhos delas e o meu é que os filhos delas foram cuidados, cresceram, criaram asas e voaram. O meu filho nasceu sem as asas. Ele precisa continuar sendo cuidado, dia após dia, mesmo depois de crescer. O que outra mãe faria em meu lugar, não cuidaria do seu filho também? Se um filho "normal" é cuidado com tanto zelo, por que com um deficiente haveria de ser diferente? O que me difere de outras mães e me faz ser uma guerreira? Ter um filho deficiente e cuidar dele? Guerreira...
Essa minha condição colocou pessoas especiais em meu caminho, uma delas se tornou uma grande amiga, que vive na Europa, e chegou até mim através desse blog. Ela tem quatro filhos e um deles tem paralisia cerebral. Inclusive, ele é bem parecido com o meu Lucas, tanto no grau de comprometimento como também na fisionomia, apenas um pouco mais jovem. É incrível! Bem, o filho dessa minha amiga não mora com ela, ele vive internado numa instituição, recebe visitas dos familiares e passa alguns finais de semana no convívio deles. Quando ela me contou isso, eu fiquei chocada! Pensava como ela podia ser tão fria mantendo distante um filho que precisa de tantos cuidados. Não conseguia compreender, muito menos aceitar. Com o passar do tempo, muitas conversas depois, tive mais um filho (uma filha, na verdade), o que aumentou consideravelmente as tarefas domésticas. Paralelo a isso, o Lucas parou de frequentar a escola especial (que ia meio período) e passou a ficar o dia todo comigo. Comecei a sentir o peso de "carregar o mundo nas costas", o peso de uma vida aprisionada. Então, minha perspectiva em relação a atitude da minha amiga mudou. Comecei a considerá-la muito corajosa por suportar a dor tremenda da separação de um filho em prol de si, de seus outros filhos e marido.
Eu NÃO penso em internar o Lucas numa instituição. Isso serviu pra me lembrar que existem outros caminhos, uma mesma situação pode ser conduzida de outras formas. Minha amiga enfrentou a revolta de familiares por causa da sua atitude. Não deve ter sido fácil pra ela. Deve ter recebido muitos dedos na cara e muitos desaforos. Mas ela se libertou. Não do filho especial, porque ela o ama e ele faz parte da sua vida, mas sim para viver e se relacionar com todos erros e acertos que um ser humano é capaz de cometer e enfrentando todas as consequências, livre dos assombros de indivíduos murchos com sorrisos amarelos, livre para brincar de pega-pega sem ser café-com-leite, mas pra ser a pegadora.
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